segunda-feira, 11 de julho de 2011

Carros 2

Estou triste ao escrever esse texto. A Pixar, a gigante das animações, que nunca havia errado, errou. Na verdade, deu uma tropeçada, e fez seu filme mais fraco até agora. O único fraco, devo dizer.


Carros 2 (Cars 2, 2011)
Direção: John Lasseter e Brad Lewis
Entenda que não é um filme ruim, só deixa de ter aquela qualidade impecável e a profundidade de todos os outros 11 filmes que a Pixar produziu antes. Coisa que muita gente duvidava que acontecesse e outros que achavam que era inevitável um dia acontecer.
Em Carros 2, Relâmpago McQueen vai participar de uma corrida pelo mundo e leva Mate com ele. Mate é confundido com um espião americano e passa a se aventurar junto de Finn McMíssil e Holley Caixadebrita, espiões que estão tentando evitar o plano de vilões que querem acabar com a corrida e seus competidores.
Carros já era o mais fraco dos longas da Pixar. Ele apresentava a mais clichê (na verdade, a única) história dos filmes do estúdio, aquela de um personagem arrogante que acaba encontrando um lugar pacato e de valores simples, e então reavalia seus conceitos e se torna uma pessoa melhor. Comparei-o até a O Último Samurai no post sobre este filme, e dá para comparar com várias outras histórias semelhantes. E para esta continuação eles conseguiram encontrar uma história mais clichê ainda. Ou vai dizer que você nunca viu por aí um filme em que um personagem engraçadinho acaba sendo confundido com um espião e se metendo em altas confusões? Parece até filme da Sessão da Tarde! Cadê o brilhantismo dos outros roteiros do estúdio?
A Pixar nunca investiu em sequências, exceto com Toy Story, que rendeu mais dois filmes, um melhor que o outro. Mas esses filmes tiveram seus motivos de existirem e foram feitos com muito carinho e competência. Tirando eles, a empresa só lançava filmes originais, sua especialidade. Quando anunciaram a continuação de um de seus filmes, fiquei curioso. Quando anunciaram que era de seu mais fraco filme, fiquei receoso.
John Lasseter é um profissional excepcional. Um dos fundadores da Pixar e diretor das obras-primas do cinema Toy Story e Toy Story 2, além de Carros e Vida de Inseto. Ele altera entre ótimos filmes e os mais fracos do estúdio, que assim mesmo são ótimos. Parece que ele quis fazer Carros 2 somente porque estava com vontade, porque viu um pequeno potencial no filme. Uma pena, já que seu nome fica comprometido, em uma direção normal, sem a técnica de antes.
Não estou, de jeito nenhum, diminuindo o filme aqui, só dizendo que o filme poderia ser melhor, de acordo com os padrões auto-impostos pela Pixar até hoje. Há várias coisas boas no filme, que o fazem ser bem divertido.
O filme é bastante engraçado. Ele traz do primeiro longa todas as piadas envolvendo trocadilhos com carros, como chamar o relógio de Londres de Big Bentley. A animação do filme é espetacular, mostrando todo o potencial da Pixar, que sempre teve a melhor qualidade visual, estética e fotográfica entre todos os estúdios de animação. Basta ver cada cidade ao redor do mundo e ela será reconhecível na hora, com todas suas particularidades e características.
Uma coisa interessante, que divide opiniões, é a mudança do protagonista. Claramente, McQueen fica de lado no filme, dando muito mais espaço a Mate. O personagem é bastante engraçado, mas pode ficar cansativo, dependendo do seu humor. Mas o filme tem personagens de monte para fazer companhia a ele, e todos eles têm seu charme e sua graça, destacando os agentes secretos Finn McMíssil e Holley Caixadebrita, que pensam que Mate é o espião. Além de tudo, os personagens italianos, tanto os antigos Luigi e Guido quanto o novo corredor Francesco Bernoulli, são bem engraçados, e Guido continua calado e sensacional, como no primeiro filme.
A Pixar mostra um respeito louvável ao tirar Doc Hudson do filme em respeito à morte do ator Paul Newman, que o dublou no primeiro. Outra qualidade do filme.
Outro fator excelente do filme é sua dublagem em português. No original, o filme tem atores célebres fazendo as vozes, e no Brasil nós não ficamos atrás. A direção de dublagem de Guilherme Briggs cria adaptações perfeitas para a nossa cultura. Mate é dublado novamente por Mário Jorge, que cria uma voz caipira e inocente extremamente boa, melhor que a original, e é o destaque do filme. E ainda há a ótima participação de Luciano do Valle e José Trajano fazendo os locutores do Grand Prix Mundial, adicionando um realismo muito bom para nós, brasileiros. E o carro que seria Lewis Hamilton vira Emerson Fittipaldi por aqui, sendo dublado pelo mesmo em uma pequena ponta, assim como Cláudia Leitte dubla a corredora brasileira do filme, e sorte que ela tem só duas falas. As adaptações de nomes também são bastante divertidas: Holley Caixadebrita e Miles Eixodarroda (o criador da corrida e do combustível renovável que patrocina) são exemplos de boas adaptações. Expressões são bem traduzidas, também, e ajudadas por elementos da nossa língua espalhados pelo texto (como em um momento, divertidíssimo, em que um capanga diz a um dos vilões do filme, mostrando uma lista: "Aí, chefe, quer dar um 'confere'?").
O filme tem vários momentos engraçados, e obviamente não dá para falar tudo aqui. São momentos típicos de uma comédia de situações, com algo diferente acontecendo a cada momento. E é uma pena que a briga entre McQueen e Mate seja boba, não tendo um motivo forte para que eles realmente se magoem, parecendo apenas uma desculpa para mover a história, já que os dois não ficam juntos durante a maior parte do filme.
O final do filme condiz com o resto, apresentando uma solução clichê para o problema e lições de moral escancaradas na tela, coisas que eram bem disfarçadas em outros filmes do estúdio. A descoberta e revelação do vilão parece um episódio de Scooby-Doo, fazendo a inevitável comparação de Mate com o cachorro engraçadinho dos desenhos.
Enfim, sabe aquelas continuações de filmes clássicos da Disney? Aquelas que saem direto para vídeo, não têm a qualidade dos originais, não acrescentam à história ou aos personagens e são feitas apenas para produzir mais dinheiro? (E que, ainda bem, foram descontinuadas pelo próprio John Lasseter, ironicamente, quando este assumiu a produção dos desenhos da Disney, quando esta comprou a Pixar). Então, Carros 2 parece um desses filmes, parecendo um filme para arrecadar dinheiro e feito às pressas, mas que mesmo assim possui suas qualidades.
Aquilo que muitos temiam aconteceu: a Pixar tropeçou. Mas dizem que é preciso cair para aprender a se levantar. Quando um gigante cai, esperamos que ele levante tão grandiosamente quanto caiu. Essa é a minha esperança, que ela aprenda ainda mais e melhore ainda mais a qualidade de seus filmes, e que volte aos roteiros originais que faz tão bem. Estou confiante em Valente, que sai ano que vem, mas estou preocupado com essa pré-continuação de Monstros S.A. que vai sair, Monsters University.
Para finalizar esse monólogo gigante, este é o filme mais fraco, mas ainda assim bastante divertido. Recomendo por uma razão: é Pixar.

PS: o curta que, como em todo filme da Pixar, passa antes do filme nos cinemas, também é o mais fraco. Férias no Havaí é com os personagens de Toy Story em uma história engraçada, mas nada comparado aos clássicos curtas-metragens que a empresa já fez, como Dia e Noite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário